A internet em 2007 era bem diferente do que é hoje em dia. O YouTube era um site onde as pessoas postavam todos os tipos de vídeo sem nenhuma idéia de ganhar algo sobre o conteúdo, que era avaliado por um ranking de 1 a 5 estrelas. Um destes vídeos me chamou a atenção na época, e após colocar o vídeo para carregar em minha internet discada, assistir a primeira parte de um episódio de Os Simpsons, e apertar play na hora do intervalo da TV (momento em que o vídeo geralmente havia carregado por completo) aquele conteúdo em 240p me chamou atenção: era “Card Sagas Wars”.
Na época eu conhecia um pouco da famigerada engine M.U.G.E.N., onde você podia montar um jogo de luta com os seus personagens favoritos. Mas entre Street Chaves e Mortal Kombat Project (onde conheci o personagem Tremor), a maioria dos Mugens era simplesmente um recorta-e-cola de vários jogos diferentes, sem preocupação em montar uma jogabilidade sólida, balancear os personagens ou criar um visual homogêneo. Claro, uma vez que era um trabalho de fã para fã sem remuneração alguma, qualquer exigência se torna fútil, mas este jogo se diferenciava justamente por buscar uma identidade própria.
Apresentando quatro personagens diferentes: Link, Cloud, Megaman X e KOS-MOS (de Xenosaga), todos compartilhando o mesmo estilo visual, diminutos em uma arena, e se degladiando em um estilo Super Smash Bros, logo busquei a fonte do trabalho: os artistas espanhóis Orkimides e Ahruon, que criaram um site para o projeto (algo raro para a época) com centenas de artes de personagens das mais diversas franquias de jogos, animes e outro membros da cultura Pop. As possibilidades eram ilimitadas.
Os criadores informaram que nem todos os personagens ali retratados apareceriam no jogo, mas que como artistas eles gostavam de reimaginar seus personagens favoritos em no estilo visual único que desenvolveram. Mas infelizmente como a maioria dos projetos deste estilo, após alguns updates e a demonstração de personagens como Crono, Samus e Master Chief, a dupla parou de fornecer atualizações sobre o projeto. O site foi caindo no esquecimento, até que foi removido por completo, e agora pode ser visto apenas pelas buscas da Wayback Machine.
Mas ano passado, com a mesma surpresa da primeira vez que conheci o projeto, descobri que outros desenvolvedores se aliaram aos criadores originais para enfim produzir uma build operacional do jogo com todos os personagens produzidos nestes 11 anos. Além dos sete personagens citados neste texto anteriormente, Soma Cruz (Castlevania), Etna (Disgaea), Ivy (Soul Calibur), Lenneth (Valkyrie Profile) e Walküre (Walküre no densetsu) completam o atual elenco de 12 personagens, cada um trazendo elementos únicos para a jogabilidade do jogo.
Jogabilidade esta que combina a movimentação e golpes simples dos jogos de luta de plataforma como Smash e Brawlhalla, com comandos especiais de jogos de luta 2d tradicionais. O direcional comanda a movimentação, e se pode saltar pressionando para cima, e saltar novamente no ar. Dois toques para trás executam um backdash, e dois toques para frente permitem correr ao segurar a direção, semelhante à The King of Fighters. O tamanho reduzido dos personagens em relação à tela de jogo faz da movimentação aspecto chave para vencer o combate.
Quanto aos ataques, temos um botão de ataque normal, e um botão de ataque especial, que são modificados utilizando o direcional em combinação, podendo ser executados no chão e no ar. Além destes golpes, cada personagem possui uma habilidade única, que possui seu próprio botão específico, e pode ser desde um agarrão até uma defesa extra. No aspecto defensivo, a defesa normal é executada simplesmente segurando para trás, mas também é possível executar um Parry pressionando para frente no momento exato de contato com o golpe. Ao ser atacado no ar, é possível se recuperar pressionando ambos os botões de ataque, e ao cair no chão é possível rolar para trás apertando diagonal baixo-trás.
Por fim, existem os Supers, que possuem três categorias, totalizando 8 tipos diferentes para cada personagem. Três destes Supers são chamados de Alfa Combos, e outros três de Beta Combos. Ambos são executados da mesma maneira, apenas substituindo o botão de ataque pelo de especial e vice-versa. Os comandos são “meia lua para frente” (236) e ataque, “meia lua para trás” (214) e ataque, e “shoryuken para frente” (623). Mais dois golpes são chamados de AlfaBeta Combos, e contam com os comandos “trás-baixo-frente” e “frente-baixo-trás” e são executados com ambos os botões ao mesmo tempo.
Mas o que seria de Card Sagas Wars sem as cartas? Neste jogo existe um sistema de assists sinalizado pelas cartas verdes no canto inferior da tela. As cartas são geradas quando o jogador recebe golpes, e possuiem três níves: C, B e A, cada um com poder crescente, que vão surgindo quanto mais o personagem seja atacado. Existem atualmente 100 assists no jogo, e você pode conferir a lista completa neste link. Os assists aumentam ainda mais a quantidade de jogos que é referenciada neste título, desde Sonic the Hedgehog até Duke Nukem. Cada um dos 12 personagens presentes atualmente no jogo possuem sua própria identidade que é bem transmitida em seu gameplay, tornando este um jogo dinâmico, e com a sensação de um produto mais polido e profissional que a maioria dos mugens encontrados por aí.
Uma vez que seus criadores são artistas digitais, pode-se perceber a dedicação com a identidade visual do jogo. Todos os personagens possuem seu próprio cenário, cada um feito à mão para se adequar ao estilo gráfico do jogo. Além disso, remixes de trilhas sonoras icônicas dos titulos presentes podem ser ouvidas, além de vários trechos de díalogo dos personagens, tirados de seus jogos de origem. Se você deseja experimentar um jogo que ao mesmo tempo apresenta diverso personagens famosos do mundo dos jogos, e ao mesmo tempo não parece com um colcha de retalhos, sugiro que dê uma chance à este jogo. Os novos desenvolvedores prometem dar bastante atenção ao título, consertando bugs, implementando recursos como multiplayer online, e desenvolvendo nossos personagens.
Você pode acompanhar o desenvolvimento do projeto e saber mais sobre as últimas builds do jogo tanto em seu website atual, quanto no grupo do Discord. Este é mais um daqueles projetos que começou ambicioso demais, teve seus percalços e acabou sumindo do mapa, mas pelo neste caso teve um final feliz, mesmo que após praticamente uma década. Quem sabe quando as desenvolvedoras utilizarem a carta armadilha do “cease and dismiss” os desenvolvedores não utilizem a base e o conhecimento adquirido para criar mais um produto original para o mercado? Não seria a primeira vez…