Análise da partida entre Kazunoko e Tokido na RAGE

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tokido_vs_kazunoko

“Fala, pessoal, aqui é o Luiz, e hoje mais uma vez teremos uma análise. Após termos visto algumas mirror matches, já está na hora de vermos matchups diferentes, podendo assim analisar como os personagens funcionam em diferentes situações. A partida da vez aconteceu na Losers Finals da RAGE, entre Kazunoko (Cammy) e Tokido (Ryu), em uma luta cuja desvantagem inicial recai sobre este último. O matchup, que é um tanto complicado para Ryu, será interessante para vermos quais as ferramentas usadas por Cammy superarão seu oponente e quais serão usadas por Ryu para responder, e ambas serão explicadas em detalhes ao longo do texto. Sem mais delongas, vamos à partida.”

ROUND 1 – FIGHT!

As duas primeiras coisas a se notar no jogo de Kazunoko são: 1) os pulos aos 95 e 89 segundos, e; 2) os pulos aos 93 e 88 segundos. Apesar de parecerem pulos aleatórios, eles aconteceram em distâncias muito específicas, e merecem ser observados. Repare:

  • 1) Esses pulos estão longe o bastante para fugir de punições como o chute médio abaixado e o Shoryuken, mas estão dentro do alcance para um ótimo Cannon Strike – o que possibilitaria combos ou, ao menos, momentum;
  • 2) Já esses pulos, caso fossem seguidos de um Cannon Strike (como o segundo foi), estariam próximos o bastante para passarem por cima  um Shoryuken e levariam vantagem sobre antiaéreos normais – o que traria as mesmas vantagens do item anterior.

Assim, dada a vantagem de Cammy, esses primeiros quatro pulos serviram para testar as reações de Tokido e coletar informações sobre como ele lutará. No entanto, Tokido sabe de tal vantagem, sabe que esses pulos serviram como testes e sabe o potencial de dano que pode sofrer durante a partida caso mostre seu jogo tão cedo – e, por isso, preferiu não tomar nenhuma atitude comprometedora.

Em seguida, Tokido consegue uma considerável vantagem de vida ao punir algumas investidas mal calculadas de Kazunoko, que invadem a área de alcance dos chute médio e soco médio abaixados de Ryu (justamente a área de maior potencial de dano do personagem). Ainda assim, vale reparar que Kazunoko conseguiu encaixar um bom Cannon Strike entre os golpes de Tokido, o que definitivamente tem um significado: por mais que aquela seja a zona em que Ryu é mais perigoso, devemos lembrar que o char não possui muitas ferramentas para lidar com um Cannon Strike tão próximo. Dessa forma, é provável que a estratégia de Tokido em combates próximos, ao invés de deixá-lo pular e ter que posteriormente punir um Cannon Strike, seja conter Kazunoko com seus combos bread-and-butter antes que ele sequer tenha a oportunidade de iniciar o pulo.

Ao 68 segundos, Tokido consegue evitar de forma belíssima o Cannon Strike de Kazunoko, e não foi por sorte. Veja só: o V-Trigger de Cammy, quando ativado, aprimora bastante seus golpes especiais, e permitiria causar dano considerável caso qualquer um deles conectasse. Pois, ao ver a ativação do V-Trigger, Tokido previu bem que o seu oponente usaria um deles e os evitou da forma mais segura possível. Pulando para trás, ele garantiu que pularia sobre um eventual Spiral Arrow, e, dando um soco, garantiu que acertaria a Cammy sem ser atingido por um eventual Cannon Strike – que foi o que aconteceu.

Logo a seguir, o chute forte aos 67 segundos também não foi à toa. Ele é um excelente golpe para prevenir o divekick de Cammy e sair da área de alcance dos seus pokes agachados. No entanto, por ser um golpe um tanto demorado, deve ser usado com cuidado, e Tokido sabe disso – veja que, apesar de eventualmente aparecer ao longo da luta, não será recorrente.

Repare que constantemente Tokido, após conseguir uma ligeira vantagem de frames com um hit confirm, usa um backdash. Esse backdash é pensado de forma a garantir que essa vantagem seja estendida, pois permite a ele se posicionar à distância e ficar em uma área de grande vantagem para Ryu. A maior diferença entre os dois personagens é que Cammy não possui uma fireball para enfrentar Ryu à longa distância, o que dá a Tokido um grande controle do espaço. Assim, Tokido consegue transformar os usuais 2 frames de vantagem em algo muito maior, podendo pressionar Kazunoko de forma bastante segura.

Mas a partir dos 60 segundos Kazunoko consegue encaixar um belo Cannon Strike e seguir com um combo completo e um agarrão, ganhando momentum, reduzindo a desvantagem existente e empurrando Tokido para o corner. Tokido ainda consegue respirar ao escapar de um EX Cannon Strike e, após alguns golpes bloqueados que distanciam os personagens, acionar seu V-Trigger para aprimorar seu Ryu, mas o fato de estar no corner impede que possa fazer muito mais além de apenas reagir ao que Kazunoko executa.

Notou como Kazunoko, logo após encaixar algumas block strings, rapidamente se posicionou a uma grande distância de Ryu e em seguida pulou para frente? Pois olha que coisa: por conta das circunstâncias, essa, que normalmente seria uma distância de vantagem para Ryu, se tornou uma zona mais vantajosa para Cammy. O pulo dado por Kazunoko aos 50 segundos foi calculado de forma a ter dois desdobramentos possíveis: um deles seria um Cannon Strike que o aproximaria e o colocaria em uma posição de vantagem (e que inclusive passaria por cima de um eventual hadouken), e outro seria simplesmente cair em um ponto distante o bastante de qualquer golpe, mas próximo o bastante para punir qualquer whiff. E sabe o mais interessante? Tokido percebeu que estava em desvantagem, e, apesar de ensaiar um avanço, desistiu e retrocedeu quando viu seu oponente pular.

Kazunoko, logo em seguida, dá mais um pulo próximo ao seu adversário, testando mindgames com a possibilidade de usar ou não o Cannon Strike, e se sai melhor ao encaixar um soco no ar e terminar com um combo. Logo depois, Tokido utiliza um wake-up Shoryuken que visava interromper qualquer golpe normal que Kazunoko usasse para finalizar o round – no entanto, esse acabou sendo o seu fim, pois o pulo de Kazunoko foi perfeito para escapar do Shoryuken e o colocou em ótima posição para punir o golpe e vencer.

 

ROUND 2 – FIGHT!

Novamente, o round se inicia com Kazunoko tomando a iniciativa, mas de uma forma mais arriscada do que o necessário. A pequena punição após um Knee Bash parecia ter sido pontual, mas o agarrão mal calculado acabou rendendo uma Critical Art grátis para Tokido aos 95 segundos, que conseguiu reduzir quase metade da vida do adversário de forma bem tranquila.

Observe que esse início de round do Kazunoko foi um tanto desleixado, pois receber uma Critical Art de um oponente que está com 100% de Life é algo imperdoável – ela dá não só a vantagem óbvia de vida, mas ainda permite que seu adversário consiga, ao longo do round, encher tanto a V-Gauge quanto a barra de CA. Assim, a pressão que Tokido com certeza sofrerá por estar em um matchup desfavorável será convertida em recursos, o que faz com que a jogada em questão tenha sido valiosa.

Continuando, aos 87 segundos vemos Kazunoko acionar o V-Trigger e ir atrás do oponente, e sua primeira tentativa de encaixar um combo acaba sendo anulada da mesma forma que no round anterior: com um pulo para trás e um normal, que evitam tanto Spiral Arrow quanto Cannon Strike. Aos 83, Tokido consegue punir Kazunoko com mais um bread-and-butter e o deixa com aproximadamente 1/3 de vida, mas, ao receber um wake-up Cannon Spike seguido de um EX Cannon Strike, perde momentum e é facilmente empurrado para o corner. Esse é um ponto chave para entender o porquê de o matchup ser tão ruim para Ryu, pois Cammy possui tantas e tão boas opções para lidar com ele que, mesmo estando com menos da metade da vida, ela só precisa de uma leve vantagem para conseguir voltar a ditar o ritmo da partida.

A partir dos 73 segundos, começa um pequeno “pedra-papel-tesoura” entre os dois: Tokido precisa escapar dos golpes abaixados (cr.MK e cr. MP), ao mesmo tempo em que precisa evitar que Kazunoko pule e use Cannon Strike. Para isso, ele usa o chute forte aos 72 segundos, que, como eu expliquei no round anterior, o tira do alcance dos golpes abaixados e pode acertar Cammy ainda no ar. Logo em seguida, Kazunoko utiliza o seu chute médio fora do alcance normal, buscando punir mais um chute forte ou pescar uma reação e reagir com um Cannon Strike – que foi o que aconteceu, ao fazer Tokido dar um chute médio, receber o golpe, mas conseguir resetar a situação através de uma blockstring, reiniciando o processo até escapar do corner aos 63 segundos. Mindgames, mindgames.

Em seguida, Tokido utiliza a técnica do pulo para trás com normal para escapar de um eventual Cannon Strike, mas demonstra que é uma jogada arriscada ao tentar fazê-lo novamente em seguida e sofrer dano. No entanto, o round realmente se mostra favorável a Tokido quando ele consegue punir a queda de Kazunoko com mais um combo e, utilizando um option select, evitar o wake-up Cannon Spike e finalizar com um agarrão.

Vale perceber, por fim, que Tokido aproveitou os erros de Kazunoko sem precisar gastar a barra de CA conquistada ao longo desse round. Guardá-la será muito importante para os mindgames que virão daqui para frente, então, depois de deixar esse último registro, vamos ao…

 

FINAL ROUND – FIGHT!

Tokido aproveita a hesitação inicial de Kazunoko para usar suas fireballs e impedir uma aproximação, conseguindo manter Cammy longe do alcance ideal dela. Essas fireballs também servem para testar como Kazunoko pretende agir para alcançá-lo, para coletar informações sobre qual será a principal estratégia de aproximação do adversário desenvolver mindgames em cima disso. Quando Kazunoko utiliza um EX Cannon Strike, acaba sendo enganado por um shimmy de Tokido e erra um agarrão, sendo levemente punido.

E a partir de 89 segundos, Kazunoko consegue encaixar golpes seguidos que empurram Tokido para o corner e o deixam em uma situação de extrema desvantagem. Aos 81 segundos, Ryu está com a barra de Stun quase cheia e Cammy possui uma barra de EX, o que permite toda a sorte de mindgames possíveis. Com um shimmy bem calculado, Kazunoko consegue deixar Tokido em Stun e, posteriormente, após o  free combo, ainda o acerta com um EX Cannon Strike e um Cannon Spike quando Ryu sai do corner, deixando-o praticamente morto e ficando a um jab da vitória.

A luta então é resetada, e a situação se torna crítica: Tokido perderá caso sofra qualquer hit, mas possui uma barra de CA e a V-Gauge cheias, enquanto Kazunoko possui uma vantagem gigantesca de vida, mas apenas um V-Reversal de recurso. E tudo muda quando Tokido faz uma leitura equivocada e, aos 57 segundos, utiliza a sua Critical Art e vê ela passar lentamente pela tela e ser defendida de uma forma decepcionante. Vamos entender o que aconteceu.

Tokido usou a Critical Art de forma a ser um counter para um eventual pulo + Cannon Strike, que – lembra o que eu disse ali em cima? – foi a forma utilizada por Kazunoko para evitar as fireballs e se aproximar, bem como foi a jogada usada para tirar cerca de 80% da vida de Tokido ao longo desse round. O ponto é que usar a Critical Art foi apostar muito alto em uma jogada que poderia não dar certo (como não deu). Kazunoko sabe que Tokido é um jogador agressivo e que gastaria a Critical Art na primeira oportunidade que tivesse (e foi isso que o permitiu ganhar no round anterior), então não iria arriscar uma jogada que o expusesse tanto e desse margem para um comeback. E, no fim das contas, Tokido jogou fora o recurso mais importante para que pudesse vencer – algo que fica bastante claro quando, logo após o uso da Critical Art, Kazunoko volta a tomar a ofensiva e a buscar espaço para finalizar a luta.

Ao conseguir um excelente Crush Counter e acionar o V-Trigger, o momentum volta para Tokido. Com um excelente meaty Hadouken, o jogador volta a ter iniciativa e pressiona o adversário para o corner, mas isso apenas dura até a barra de V-Trigger de Ryu começar a esvaziar e Kazunoko ativar a sua própria. Através de alguns pulos para frente e divekicks, fica fácil para Cammy voltar a controlar o espaço perdido e, com uma rasteira bem encaixada, vencer o round e a partida.


Bem, essa foi mais uma análise de Street Fighter, mas, antes de encerrar, deixo uma última reflexão. Se pararmos para pensar, o que Kazunoko mais fez ao longo da partida foi justamente aquilo cuja opinião geral diz que devemos evitar: pular. O ponto é que Kazunoko pulou bastante não só porque é algo que faz parte da forma de jogo de Cammy, mas porque sabia onde e quando pular, dando uma verdadeira aula de posicionamento, zoning, e trazendo uma miríade de exemplos para cada um dos Elementos do Capítulo 5 do famoso Footsies Handbook. Dica: reler esse capítulo e voltar para essa análise pode te ajudar a abrir ainda mais a visão a respeito da luta, então não deixe de fazer isso.

No mais, vocês já sabem: comentem aí embaixo o que acharam da análise, e não se esqueçam de sugerir outras partidas que valham ser analisadas. Também não se esqueçam de curtir a página do CounterHit e compartilhar a matéria – vamos levar o Street Fighter BR a um novo nível!

Dica enviada via e-mail por Luiz Felipe Lima (luiz@delfos.net.br)

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