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(Opinião) Malásia, Tailândia e a censura a Fight of Gods


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(Este texto reflete a opinião do autor. As declarações abaixo NÃO devem ser tomadas como um reflexo da opinião do CounterHit).

Na última semana, logo após o lançamento de Fight of Gods, a polêmica já começou (óbvio!). Os jogos de luta afinal tocaram não apenas a religião, mas também a política — e não foi com pro players jogando um amistoso na Casa Branca.

A Comissão de Comunicações e Multimídia da Malásia providenciou um bloqueio do acesso do país a toda a plataforma da Steam apenas para censurar o jogo (quem diria, um país derrubando um serviço inteiro por um caso particular — “te lembra alguém?”). Ontem saiu a notícia de que o jogo foi removido da plataforma na Tailândia a pedido do governo.

O aviso ali em cima diz que vou emitir uma opinião. Pessoalmente, digo que aduzirei argumentos, algo diferente de uma mera opinião. Criticarei as atitudes dos dois países. Focarei em liberdade de crença, pois me parece que o ataque à liberdade de expressão é bem óbvio.

Oficialmente, segundo a Wikipédia, a Malásia é uma monarquia constitucional democrática; e a Tailândia é uma monarquia constitucional. Mas oficialmente a Coreia do Norte também é uma democracia. A Tailândia vive uma ditadura militar desde 2014 e, além disso, é evidente que ambos os países padecem de algum nível de teocracia. Liberdade de crença e teocracia são mutuamente excludentes.

Estou assumindo que é parte essencial da democracia (enquanto valor) a liberdade de crença. E, para que haja liberdade de crença, é condição indispensável um Estado laico. Do contrário — ou seja, caso o Estado tome qualquer atitude teocrática — sempre haverá algum favorecimento a alguma religião, ou à religiosidade, e a liberdade de crença é quebrada. Exatamente a mesma coisa vale para qualquer Estado que se determine ateu e assim aja. Liberdade religiosa = Estado laico.

Malásia e Tailândia estão longe de não padecerem de atitudes religiosas governamentais tendenciosas, sempre um ataque à liberdade de crença, como posto acima. No caso da Malásia, o problema está entranhado na constituição, que, apesar de defender a liberdade de religião, declara o islamismo a religião oficial do país — uma contradição, no contexto exposto acima. Quanto à Tailândia, a constituição também declara uma determinada religião como a oficial, o budismo, e a lei determina que o rei deve ser budista. Não obstante, o Estado tailandês tem órgãos religiosos, ou pelo menos um, que encontrei numa das fontes abaixo, o Escritório de Budismo Nacional. Apesar de tudo isso, há leis que garantem a liberdade religiosa (oficialmente). Toda essa suposta liberdade religiosa legal dá-se, na melhor das hipóteses, “pela metade”. Liberdade religiosa até a página dois, pelas razões explicitadas no parágrafo anterior.

O que se alega para que Fight of Gods seja banido ou bloqueado? Basicamente, desrespeito à religião. Há acusações mais absurdas, como a de que o jogo pode “ferir o budismo” (by um diretor de uma agência estatal tailandesa). Mas a alegação de desrespeito me parece a mais defensável. No entanto, alego que não procede.

Há dois tipos de ofensa: realizada e tomada. Ou podemos chamar de intencional e interpretada. Há a ofensa feita com intenção, como quando você xinga alguém diretamente, e há a ofensa por parte da interpretação pessoal de alguém, quando a pessoa se sente ofendida.

Quando há a intenção de ofender, certamente deve haver mecanismos legais para que se lide com isso. Mas as interpretações pessoais das pessoas não devem ser abarcadas por essa lei, pois qualquer coisa pode ser arbitrariamente tomada como ofensa religiosa. As crenças religiosas não podem ser objetivamente determinadas (não quando há liberdade de crença). Então qualquer um pode acreditar em qualquer coisa e se sentir ofendido por qualquer coisa — ao menos potencialmente.

Quando alguém acha que uma obra fictícia qualquer, por retratar figuras religiosas em combate, ofende suas crenças religiosas; quando alguém acha que uma representação qualquer de uma figura religiosa, seja Deus ou qualquer outra, ofende suas crenças religiosas; nesses casos a alegação de ofensa religiosa só pode ser feita com base em dogmas/doutrinas religiosas ou com base em nada mais do que uma convicção pessoal. Em qualquer um desses casos, quando se propõe algum tipo de censura, extrapola-se a esfera pessoal para adentrar a esfera pública. Isto fere a liberdade de crença, porque está se impondo convicções religiosas à sociedade como um todo.

Hoje, “só um jogo”. E amanhã?

Se se pode aproveitar o caso de Fight of Gods para refletir sobre a laicidade do Estado, este é um ensejo para que a FGC brasileira olhe para nosso país, no qual o Estado laico garantido constitucionalmente é frequentemente ferido — por exemplo, por um poder legislativo severamente tomado por agendas religiosas.

Se você acha inapropriado misturarmos jogos de luta e política… por que você leu até aqui?????

Fontes:

Shoryuken (Malásia | Tailândia)
SoyaCincau.com (este site ensina a burlar o bloqueio da Malásia)
Gadgets 360°
Khaosod English
Malásia – Wikipédia
Tailândia – Wikipédia
Religião na Tailândia – Wikipédia



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