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Jogar para Vencer (Tradução Livre)


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Um verdadeiro clássico da literatura de jogos de luta "Playing to Win". Escrito originalmente pelo excelentíssimo David Sirlin e recomendadíssimo para qualquer um que queira melhorar, ou está entrando neste árduo mundo competitivo de jogos de luta.

No site do Sirlin também há diversos artigos interessantes (em inglês) sobre balanceamento, profundidade, competitividade em jogos de luta e muito mais:

http://www.sirlin.net/

 

Boa leitura!

 


 

Jogar para vencer é o conceito mais importante e mais largamente incompreendido em todos os jogos competitivos. A triste ironia é que aqueles que ainda não compreendem as implicações que estou prestes a explanar provavelmente não acreditarão nelas da mesma forma. De fato, se eu fosse mandar estes artigos de volta ao tempo para uma versão antiga de mim mesmo, também não acreditaria nisto. Aparentemente, esses conceitos são algo que é preciso aprender através da experiência, embora eu espere que ao menos alguns de vocês acreditem em minhas palavras.

Introduzindo : O Scrub


No mundo da competição de Street Fighter, temos uma palavra para jogadores que não são bons: "scrub". Todos começam como um scrub - é preciso tempo para aprender o jogo e chegar a um ponto no qual você sabe o que está fazendo. Há a noção errônea, contudo, de que por meramente continuar a jogar ou "aprender" o jogo, alguém pode se tornar um jogador top. Em verdade, o "scrub" possui muitos outros obstáculos mentais para superar do que qualquer coisa que esteja acontecendo dentro do jogo em si. O scrub perdeu o jogo antes mesmo dele começar. Ele perdeu o jogo antes de ter escolhido o seu personagem. Ele perdeu o jogo antes mesmo da decisão de qual jogo será jogado. Seu problema? Ele não joga para vencer.

O scrub irá discordar com veemência da afirmação pois ele geralmente acredita que está jogando para vencer, mas ele é amarrado por uma construção intrincada de regras fictícias que fazem com que ele jamais possa competir de verdade. Essas regras inventadas variam de jogo para jogo, é claro, mas seu caráter permanece constante. Em Street Fighter, por exemplo, o scrub
rotula uma ampla variedade de táticas e situações como "apelação". A chamada "apelação" é o verdadeiro lema do scrub. Utilizar um arremesso contra alguém é frequentemente chamado de "apelação". Um arremesso (agarrão) é um tipo especial de movimento que agarra um oponente e causa dano, mesmo quando o oponente está defendendo contra todos os tipos de ataque. O propósito fundamental do arremesso é permitir que se cause dano a um oponente que fique o dia inteiro sentado na defesa, sem jamais atacar. No que concerne ao jogo, arremessos são parte integral do design - estão lá intencionalmente - e ainda assim o scrub construiu seu próprio conjunto de princípios na sua mente, os quais afirmam que ele deveria estar absolutamente invulnerável a todos os ataques enquanto na defesa. O scrub pensa em defender como um tipo de armadura mágica que irá lhe proteger indefinidamente. Por quê? Explorar as razões é algo fútil considerando que a noção é ridícula desde o início.

Você não irá ver um scrub clássico arremessar seu oponente 5 vezes seguidas. Mas por que não? E se fazer isso seja estrategicamente a sequência de movimentos que otimize suas chances de vitória? Aqui nós encontramos nosso primeiro confronto: o scrub só está disposto a jogar para vencer dentro de seu próprio conjunto mental de regras imaginárias. Essas regras podem ser surpreendentemente arbitrárias. Se você vencer um scrub atirando projéteis nele, mantendo sua distância e o impedindo de se aproximar.... isso é apelação. Se você o arremessar repetidamente, isso também é apelação. Já cobrimos este.Se vc sentar e defender por 50 segundos sem fazer qualquer movimento, isso é apelação. Quase qualquer coisa que você fizer e que termine por lhe dar a vitória é forte candidata a ser chamada de apelação.

Fazer um movimento ou sequência repetidamente é outra ótima maneira de ser chamado de "apelão". Isso vai diretamente ao centro do assunto: por que o scrub não consegue vencer algo tão óbvio e telegrafado como um único movimento realizado repetidamente? Será ele um jogador tão ruim que ele não pode contra-atacar esse movimento? E se o movimento for, por qualquer razão, extremamente difícil de contra-atacar, não seria eu um tolo por não usar tal movimento? O primeiro passo para se tornar um jogador top é a percepção de que jogar para vencer significa realizar o que for preciso para maximizar suas chances de vitória. O jogo não conhece regras de "honra" e "apelação". O jogo conhece apenas vitórias e derrotas.

Um comportamento típico do scrub é bradar que o tipo de jogo no qual a vitória é perseguida a qualquer custo é "chato" ou "não é divertido" . Consideremos então dois grupos de jogadores: um grupo de bons jogadores e um grupo de scrubs. Os scrubs irão jogar "por diversão" e não irão explorar as extremidades do jogo. Eles não irão encontrar as táticas mais efetivas e não irão abusar delas sem misericórdia. Os bons jogadores irão. Os bons jogadores irão encontrar táticas e padrões de jogo excessivamente poderosos. Conforme eles continuarem a jogar o game, encontrarão maneiras de contra-atacar essas táticas (counters). A imensa maioria das táticas que inicialmente parecem invencíveis terminam por ter counters, embora eles sejam comumente um tanto exóticos e difíceis de descobrir. A jogada counter impede que o primeiro jogador abuse da tática anterior, mas o primeiro jogador pode usar um counter para o counter. O segundo jogador fica receoso de usar o counter e pode ficar novamente vulnerável à jogada inicial.

Perceba que os bons jogadores estão atingindo níveis de jogo mais e mais altos. Eles encontraram a "apelação" e abusaram disso. Eles sabem como superar esta jogada. Eles sabem como impedir que o oponente a supere, para que possam continuar a aplicá-la. E como é comum em jogos competitivos, muitas novas táticas serão descobertas, táticas que fazem com que a apelação original pareça justa e saudável para a competição.

Frequentemente em jogos de luta, um único personagem terá algo tão bom que se torne injusto. Tudo bem. Deixe-o ter isso. Conforme o tempo passa, será descoberto que outros personagens possuem táticas ainda mais poderosas e injustas. Cada jogador irá procurar conduzir o jogo na direção de suas vantagens pessoais, de forma similar a como grandes mestres do xadrez procuram direcionar seus oponentes para situações nas quais seus oponente são fracos.

Voltemos ao grupo de scrubs. Eles não sabem a primeira coisa sobre toda a profundidade de jogo que estivemos discutindo. Seu argumento é que macetar botões de maneira ignorante com pouca atenção à estratégia real é mais "divertido". Superficialmente, seu argumento ao menos aparenta ser verdade, considerando que seus jogos serão frequentemente mais aleatórios do que jogos entre experts, que geralmente possuem maior controle e refinamento. Mas qualquer exame mais próximo irá revelar que os experts estão a experimentar um nível de diversão muito maior do que os scrubs podem sequer imaginar. Algumas vitórias circenses não chegam nem próximo da satisfação de ler a mente de seu oponente a um grau tão alto que você pode contra-atacar cada um de seus movimentos, ou até cada um de seus counters.

Você consegue imaginar o que irá ocorrer quando os dois grupos de jogadores se encontrarem? Os experts irão destruir os scrubs de forma absoluta, com um diverso número de táticas que os scrubs jamais viram, ou que jamais foram realmente forçados a contra-atacar. Isso ocorre porque os scrubs não estavam jogando o mesmo jogo. Os experts estavam jogando o jogo real enquanto os scrubs estavam jogando sua própria variação feita em casa, com regras não escritas e restritivas.

O scrub ainda possui outros argumentos (muletas). Ele fala muito sobre "habilidade" e como ele possui habilidade, enquanto outros jogadores - incluindo aqueles que vencem o scrub com facilidade - não têm habilidade. A confusão aqui é o que "habilidade" realmente representa. Em Street Fighter, scrubs geralmente se agarram a combos como uma medida de habilidade. Um combo é uma sequência de movimentos que são indefensáveis após o acerto do primeiro golpe. Combos podem ser muito elaborados e muito difíceis de ser executados. Mas movimentos únicos podem também envolver "habilidade", de acordo com o scrub. O "dragon punch" ou "shoryuken" em Street Fighter é realizado movendo o controle em direção ao oponente, então para baixo, e finalmente na diagonal entre baixo e frente enquanto o jogador pressiona um botão de soco. É preciso completar o movimento em uma fração de segundo e, embora haja alguma margem de erro, é preciso executá-lo de forma acurada. Pergunte a um scrub qualquer e ele lhe dirá que um shoryuken é um movimento "de habilidade". Há apenas uma semana eu joguei contra um srub que era até relativamente bom. Isto é, ele conhecia bem as regras do jogo, ele conhecia bem as características dos confrontos entre diferentes personagens (matchups), e ele sabia o que fazer na maioria das situações. Mas sua teia de regras mentais o impedia de realmente jogar para vencer. Ele gritava "apelação" enquanto eu o vencia com movimentos "sem habilidade", enquanto ele demonstrava vários shoryukens difíceis. Ele gritou "apelação" quando eu o arremessei 5 vezes seguidas perguntando, " isso é tudo o que você pode fazer? arremessar?" . Eu lhe dei o melhor conselho que ele poderia ouvir, "Jogue para vencer, não para fazer movimentos difíceis". Esse foi um grande momento na vida do scrub. Ele poderia esquecer suas derrotas e continuar a viver em sua prisão mental, ou analisar porque perdeu, livrar-se de suas regras, e atingir o próximo nível de jogo.

Eu nunca fui a um torneio onde havia um prêmio para o vencedor e um prêmio para o jogador que fez muitos movimentos difíceis. Eu também nunca vi um prêmio para um jogador que jogou de "uma forma inovadora". Muitos scrubs possuem sentimentos fortes em relação à "inovação". Eles dizem "aquele cara não fez nada de novo, portanto ele não é bom". Ou "pessoa x inventou essa técnica e pessoa y só a copiou". Bem, pessoa y pode ser 100 vezes melhor que pessoa x, mas isso não parece importar. Quando pessoa y vencer o torneio e pessoa x for uma nota de rodapé esquecida, o que dirá o scrub? Que a pessoa y não possui "habilidade", é claro.

Profundidade em jogos


Eu já discuti como o jogador expert não se restringe por regras de "honra" ou "apelação" e simplesmente joga para maximizar suas chances de vitória. Quando ele joga contra outros jogadores da mesma mentalidade, é criada "game theory" (teoria de jogo). Se o jogo é bom, irá se tornar mais e mais profundo e mais estratégico. Games com design inferior irão se tornar cada vez mais superficiais. Esta é a diferença entre um jogo de arcade que dura anos nos fliperamas e um que dura 4 meses. Esta é a diferença entre um jogo de PC que dura anos nas prateleiras (StarCraft) contra um que dure meses (não vou mencionar nomes). O ponto é que se um jogo se torna "não divertido" em altos níveis de jogabilidade, a culpa é do jogo, e não dos jogadores. Desafortunadamente, um jogo tornando-se menos divertido por ter um design infeliz ou você perdendo porque é um scrub são situações com aparência semelhante. Você precisa jogar contra alguns jogadores top e praticar alguma auto-análise para decidir qual é qual. Mas se a culpa for realmente do jogo, existem inúmeros outros jogos que são excelentes em um nível altíssimo de qualidade de jogo. Para jogos que realmente não são bons em alto nível, o único movimento vencedor é não jogar.

Fronteiras de jogar para vencer


Há uma área intermediária aqui e sinto que preciso mencioná-la. Se um expert faz tudo que puder para vencer, então ele explora bugs (falhas de programação) do jogo? A resposta é um sonoro sim... mas não todos os bugs. Há uma larga classe de bugs nos vídeogames que jogadores sequer vêem como bugs. Em Marvel vs Capcom 2, por exemplo, Iceman pode jogar seu oponente para o ar (launcher), segui-lo, dar alguns golpes, e então colocar seu "super" no combo. Durante o super, ele cai abaixo do oponente, e apenas cerca de metade dos golpes do super irão conectar. O jogador de Iceman pode usar uma dica, no entanto. Logo antes de dar o super, ele pode fazer outro movimento, um icebeam, e cancelar esse movimento no super. Há um bug aqui que faz com que o Iceman, durante o super, caia bem mais lentamente, como no Icebeam . O que ocorre é que o jogador cancela o Icebeam tão cedo quanto possível - idealmente 1/60 de segundo após o início. O objetivo é fazer com que o Iceman caia mais lentamente durante o super para conseguir mais acertos. É um bug? Estou certo que sim. Parece-me um descuido de programação. Um jogador expert iria usar isso? É claro.

O exemplo do Iceman é relativamente morno. Em Street fighter Alpha 2, há um bug no qual você pode acertar o movimento mais poderoso do jogo (um Custom Combo ou CC) no oponente, mesmo quando ele deveria estar apto a defendê-lo. Um bug? Sim. Te ajuda a vencer? Sim. Esta técnica se tornou a tática dominante do jogo. A jogabilidade evoluiu ao redor disso, o jogo continuou, e novas estratégias foram desenvolvidas. Aqueles que gritavam "apelação" foram simplesmente deixados de lado para jogar sua própria versão caseira do game com regras imaginárias. A versão que todos jogamos tinha CCs indefensáveis, e acabou por se tornar um grande jogo.

Mas há um limite. Há um ponto no qual o bug se torna excessivo. Em torneios, bugs que desligam o game, ou que o congelam indefinidamente, ou ainda removem um de seus personagens permanentemente do campo de jogo são banidos. Bugs tão extremos que impedem a jogabilidade são considerados injustos mesmo por não scrubs. Assim como técnicas que podem somente ser realizadas no, digamos, lado do primeiro jogador. Há algumas técnicas exóticas em vários jogos de luta que dependem do lado - não podem ser realizadas pelo controle do segundo jogador, por exemplo.

Aqui está um exemplo da área mais confusa de todas. Muitas versões de Street Fighter possuem personagens "secretos", que são acessíveis somente com o uso de um código. Algumas vezes esses personagens são bons, e algumas vezes não. Ocasionalmente, os personagens secretos são os melhores do jogo, como em Marvel vs Capcom. Grande coisa. É assim que o jogo é. Viva com isso. Mas a primeira versão de Street Fighter a ter um personagem secreto foi Super Street Fighter 2: Turbo, com seu deus intocável Akuma. A maioria dos personagens do jogo não pode vencer o Akuma. Não quero dizer que é uma luta difícil. Quero dizer que eles não podem nunca, nunca, nunca, nunca vencer. Akuma é "broken" (estragado) no fato de que sua magia no ar é algo que o game simplesmente não foi desenvolvido para absorver. Ele está milhas acima dos demais personagens, e é consequentemente banido de todos os torneios. Mas todo jogo possui um "melhor personagem" e esses personagens nunca são banidos. Eles são apenas parte do jogo... exceto em Super Turbo. São exemplos extremos como esse que, mesmo em meio aos jogadores top, e mesmo com algo que não é um bug, mas foi colocado propositalmente pelos designers do jogo, motivaram uma regra criada por decisão unânime da comunidade: "não jogue Akuma em lutas sérias".

Minha atitude e Adenosina Trifosfato


Eu critiquei muito o scrub neste artigo. Para registro, eu gostaria de dizer que não estou chamando o scrub de burro. Não estou dizendo que ele jamais possa se aprimorar. Estou dizendo que ele é ingênuo e que ele estará preso na scrublândia, quer ele perceba ou não, enquanto ele escolher viver na estrutura mental de regras que ele mesmo construiu. É cruel chamar o scrub de ingênuo? Afinal, a vasta maioria do mundo é formada por scrubs. Eu diria que pela definição eu classificaria 99,9% da população mundial como scrubs. Sério. Tudo isso significa que 99,9% do mundo não sabe o que é jogar games competitivos em um alto nível. Significa que eles são ignorantes desses conceitos. Eu realmente não tenho problemas em dizer isso porque estamos falando aqui de um conhecimento exótico e guiado pela experiência. Eu também sei que 99,9% do mundo (eu incluso) não sabe como o ciclo do ácido cítrico e respiração celular cria 38 moléculas de ATP por ciclo. É algo exótico do qual não estou ciente, assim como muitos não estão cientes de jogos competitivos.

Ao final, jogar para vencer termina por conquistar muito mais do que apenas vencer. Jogar para vencer é como alguém evolui. Auto-aprimoramento contínuo é do que tudo isto realmente se trata, de qualquer forma. Eu admito que o objetivo final do conceito de "jogar para vencer" é ironicamente não vencer, mas evoluir. Então pratique, evolua, jogue com disciplina, e jogue para vencer.

 


 

Fonte: Portal Versus

Original em inglês: Sirlin.net

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