Por Luiz Felipe Lima
Dentre os muitos elementos de destaque na carreira do pro-player Keoma, uma das mais curiosas é ele conseguir se manter de forma estável em um grande time de eSports. Membro do Team Innova desde 2015, o jogador vem tendo uma passagem sólida e muito interessante, se sustentando como um jogador extremamente importante não apenas por seus resultados, mas seu papel no time e na comunidade.
Para entender um pouco mais sobre como funciona a gestão de Keoma dentro da Innova, nós batemos um papo com Marcelo “mHa” Almeida, CEO e cofundador da organização. Além de falar da importância de Keoma, Marcelo também citou as dificuldades que outras organizações teriam para manter jogadores de Street Fighter e criticou a falta de apoio da Capcom no cenário competitivo. Confira a entrevista a seguir:
Como tem sido ter um jogador de Street Fighter na equipe?
Marcelo: Vou começar falando de como a Innova começou. A organização foi montada em outubro de 2015 por mim, pelo Renato (Lourenço) e pelo yeTz; o yeTz hoje é um dos jogadores mais famosos do Brasil, eu sou um ex-jogador de Team Fortress 2 e Starcraft e o Renato é ex-jogador profissional de FIFA. No caso do yeTz digamos que era uma situação fácil, porque ele é jogador de LoL (eu agenciei ele no LoL desde a AWP), porém eu sei a dificuldade que alguns jogos tem em conseguir apoio. Logo depois que o Keoma voltou do Mundial, onde ele teve um resultado bom (n.e.: na Capcom Cup 2015, Keoma ficou no Top 8 e se sagrou o melhor Abel do mundo), eu vi que essa conquista foi ignorada, o que eu achei uma situação muito chata: saiu uma notícia em um site ou outro, e depois de uns quinze dias pararam de falar dele.
Depois disso, eu cheguei pro Renato e falei que dava para a gente explorar esse público. Pô, eu sou formado em Marketing, eu sei como eu posso cutucar um público-alvo. O público do Street Fighter é um público mais velho, um público que tem grana – o que os patrocinadores veem de uma forma boa -, e eu sei explorar a cena de outras formas, de maneiras que outras organizações não fazem. E foi por isso que a gente pegou o Street.
Eu posso te dizer que, hoje, o Street Fighter é um dos carros-chefes da organização exatamente por a gente saber como trabalhar isso. Hoje a Innova não é só uma organização de eSports, a gente também é uma agência, que fecha muitas ações de marketing. Você viu uma, por exemplo, no stand da HyperX, na BGS (n.e.: uma das ações promovidas na BGS envolvia uma série de lutas entre o Keoma e o público).
E se a gente pegar hoje o Street Fighter – pensando não no lado competitivo, mas pensando em negócios -, é muito mais fácil capitalizar público e dinheiro no Street Fighter do que no LoL. O LoL é muito famoso, mas exige que você atinja o público de jogadores, porque não é um jogo fácil de você entender. Se você não sabe o que é LoL, você vai abrir o jogo e não vai entender nada. Agora, o Street Fighter, na hora que eu coloco na BGS, na apresentação do produto novo de uma marca, todo mundo entende o que está acontecendo – porque não existe uma pessoa no mundo que já não tenha passado por um fliperama, que não saiba o que é um hadoken. E essa é a diferença: ter o Street Fighter, hoje, é importante porque a gente sabe trabalhar o jogo e o retorno que a gente tira disso é muito positivo.
A partir disso, você diria que existem maneiras diferentes de se trabalhar eSports diferentes?
Marcelo: Exato. Cada eSport, cada mercado dentro do esporte eletrônico deve ser tratado de uma forma. Vou te dar um exemplo: a gente contratou dois jogadores de FIFA. São jogadores que já participaram de campeonatos internacionais, que já tem títulos e tudo. Porém, quando uma equipe comum vai contratar um jogador como esse, na cabeça deles eles se perguntam “eu já ganhei muitos títulos, por que eu não ganho salário X?”, e você teria que dizer que os números dele não justificam um salário assim. A diferença é que eu não preciso de números justificáveis, porque eu sei fazer esse jogador me dar o retorno esperado, entende?
O FIFA, por exemplo, eu trabalho como se eu trabalhasse o Street Fighter. Se você hoje perguntar para o Keoma, você vai ver que a gente trabalha diferente de todas as outras organizações – se elas pegassem o Keoma, elas iriam dar o salário para ele, pagaria uma viagem ou outra e falariam “Joga”. Mas o que ele aprende com isso, o que ele vai fazer daqui a dois anos? Porque pra mim, se daqui a dois anos o Keoma parar de jogar, a minha intenção não é que ele suma do cenário, mas que ele seja um embaixador de Street Fighter. Eu quero que ele organize campeonatos, que tenha a marca dele. É isso que eu faço com o Keoma e com os meus jogadores.
E quando eu trabalho FIFA e Street Fighter, é igual, mas quando é Counter-Strike, o trabalho é diferente, porque eu vou trabalhar realmente o fanatismo que existe no cenário de CS:GO. Eu vou fazer com que as pessoas passem a torcer pela Innova porque tem CS:GO. Mas, por outro lado, eu não consigo fechar ação com o CS:GO, porque é muito difícil. Se uma empresa entra em contato comigo e fala que precisa de um jogador de eSports para dar uma palestra, eu não vou colocar um jogador de CS:GO. Por mais que seja um eSport grande, eu prefiro colocar o Keoma ou um jogador de FIFA porque mesmo um cara de 40, 50 anos, barbado, que nunca ligou um computador para jogar alguma coisa, vai saber o que eles jogam. Então são maneiras totalmente diferentes de você trabalhar um jogo, principalmente por questão de público alvo, faixa etária…
Hoje, para você ter ideia, se eu pegar um jogo como, digamos, World of Warcraft, vale muito mais a pena eu ter um jogador de World of Warcraft que tenha 30 viewers do que ter um jogador de LoL com 5.000 viewers, porque o público de LoL está na faixa de 11 a 19 anos, muitas vezes não trabalha, enquanto no WoW o público possui de 25 a 35 anos, já formado, que trabalha, então é muito mais fácil eu capitalizar financeiramente isso. Vale mais a pena você ter menos viewer mas conseguir retorno em cima dele, do que ter muitos viewers que não vão dar tanto retorno.
Então, pelo que você tem falado, mesmo com o Keoma não tendo conseguido muitas conquistas esse ano, isso não afeta a gestão dele dentro da equipe a longo prazo?
Marcelo: Não. Até porque a gestão da Innova é diferente. Eu dei uma entrevista para o Felipe Tonello há algum tempo, falando da equipe de Overwatch (n.e.: você pode conferir a entrevista no fim desse parágrafo), e ele me perguntou porque eu não trocava a equipe de Overwatch. Na época, a equipe estava em 8º no campeonato, e eu respondi que não adiantava trocar a equipe toda vez que ela não estiver bem. Eu não contrato a equipe sozinho, eu tenho que falar com meus patrocinadores, com a MAX5, com a HyperX, e mostrar por que compensa ter a equipe, qual o retorno que ela pode dar, etc. Se depois de um mês eu dispenso a equipe porque não está dando certo, o meu patrocinador vai pensar que, ou eu sou muito ruim de análise, ou eu menti para ele. Então não é uma coisa positiva. E mais: organização que pega time e dispensa quando ele não está bem, pra mim não é uma organização. Nesse caso é muito mais fácil você dar seu nome pro cara e mandar ele te representar, porque você não está fazendo nada pra ele.
Eu fui um cara que competi principalmente no cenário de Starcraft e Team Fortress 2, mas já joguei em praticamente todos os jogos de competitivo que existe. Eu basicamente começo a competir em um jogo novo que eu vejo que tem potencial, treino, fico bom, entro entre os melhores do jogo, exatamente para eu estudar e saber onde eu posso cutucar, saber o que eu posso fazer com uma equipe desse jogo.
Sendo bem sincero, eu sou muito ruim no Street Fighter, mas se você perguntar pro Keoma a diferença que faz um treinamento meu para ele, é que eu sento e falo pra ele “olha, você está falhando nisso, nisso, e nisso, que são coisas que um jogador profissional não deveria falhar”. Eu consigo destacar erros que ele comete e que são comuns de acontecer em outros jogos.
Nenhuma equipe que eu contratei era Top 1, 2 ou 3 do Brasil. Nenhuma. Todas eram Top 15 para cima. Só que para mim, pegar uma equipe sem treinamento é pegar uma equipe crua. É como pegar uma massinha de modelar nova e modelar como eu quero. Se eu pegar uma já usada, ela já vai ter marcas quando eu for modelar ela – o que é muito pior -, então compensa muito mais eu pegar uma equipe que não seja boa e eu fazer com que ela fique boa do meu jeito. Isso que é o mais importante. Você não tem que ter um jogador que tá ganhando tudo, você tem que ter um jogador que queira ganhar tudo.
Dentro da Innova há o pensamento de se trazer um novo jogador de Street Fighter?
Marcelo: De Street Fighter, não. No momento não compensa, porque eu não conseguiria justificar. Não existe jogador hoje no Brasil em nível de negócio que eu possa pegar. Eu vejo a cabeça de outros jogadores, e você vê que eles não seriam jogadores profissionais como o Keoma é, entende? O jogador pode ser bom, mas não adianta ele ser bom achando que é maior que tudo. A pessoa tem que entender que sempre vai ter alguém acima dele.
É como eu penso: eu sou dono da Innova, quem está acima de mim? Meus patrocinadores. Eu devo satisfação a eles. Então a pessoa vai entender que nunca vai existir alguém que não tenha ninguém acima. Infelizmente a maioria dos jogadores hoje em dia acha que é muita coisa, então eu não pegaria outro jogador de Street Fighter. Mas, se for falar em outros fighting games, a gente inclusive contratou jogador de outro fighting game e que em breve a gente vai anunciar.
“Se daqui a dois anos o Keoma parar de jogar, a minha intenção não é que ele suma do cenário, mas que ele seja um embaixador de Street Fighter.”
De acordo com a sua experiência com a Innova, você diria que, do ponto de vista econômico, qualquer equipe hoje poderia ter um pro player de Street Fighter?
Marcelo: Não – exatamente pelo que eu falei. As equipes hoje não trabalham na maneira de agenciamento, na maneira de conseguir dar retorno para esses caras e conseguir retorno para si em cima disso. As organizações não são ruins, elas são organizações, então elas precisam ter algum retorno – e o Street Fighter não daria esse retorno para nenhuma das outras organizações que existem hoje no Brasil. Seria simplesmente um tapa-buraco dentro da organização, de ter um jogador de Street, mas não teria retorno algum: o cara não ficaria lá por muito tempo, e com certeza seria kickado a curto prazo.
Comparando as suas experiências entre os mais diversos eSports, você vê diferença entre o apoio dado pela Capcom e por outras empresas?
Marcelo: Vejo, e muito. Eu vejo que, por mais que a Capcom tente fazer as coisas, digamos que ela não investe como deveria investir. Eu entendo que a Capcom depende muito do que os organizadores dos eventos querem fazer – afinal os campeonatos oficiais são feitos por terceiros -, mas se você tem uma Capcom Pro Tour em que não há investimento direto da Capcom, por que ela está colocando o nome no negócio? Você pode dizer que “ah, é uma divulgação muito boa”, mas a Capcom tem dinheiro: eles poderiam colocar premiações maiores, permitir que jogadores de Street Fighter possam realmente viver só do jogo, abrindo o olho das organizações e mostrando que é uma coisa rentável. Eu acho que o investimento que a Capcom traz é muito ruim.
O próprio formato da Capcom Pro Tour contrasta com o de outras organizações, como você mesmo apontou, com terceiros organizando. Você vê isso como algo bom ou ruim?
Marcelo: Existem outras competições que são parecidas com a forma que a Capcom trabalha. A diferença é que essas competições de outras empresas tem dinheiro envolvido. Se a Capcom não libera dinheiro, não tem como você dizer que ela está apoiando realmente, porque você só dá o nome. É a mesma coisa que eu colocar o nome da Innova em algum jogador sem pagar nada. Você não está fazendo nada pelo cara.
E isso é uma situação muito ruim, porque o jogador fica dependente de se bancar para fazer as coisas. Eu espero, de coração, que a Capcom em 2017 mude a maneira de pensar – porque, infelizmente, o competitivo dela é muito ruim. Para dizer que tem uma liga profissional, ela deveria sim investir alguma coisa. Ela tem direito de imagem dos jogadores – o Keoma aparece em um monte de coisa da Capcom, por que ele não recebe um real? A Riot paga para o jogador, a Z8 Games (n.e.: empresa criadora do CrossFire) paga para o jogador, e por que a Capcom, que tem tanto dinheiro quanto essas outras empresas, não libera um real para os jogadores? Isso eu acho bem complicado.
E você, o que achou da entrevista? Concorda com o que o Marcelo falou? Discorda? Deixe sua opinião nos comentários!