Análise da partida entre SnakeEyez e Chris Tatarian

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Hoje vamos fazer uma análise um pouco diferente. Ao invés de destrinchar cada momento de uma luta específica – como temos feito até então -, dessa vez vamos analisar o set inteiro. Decidi fazer assim pois, dessa forma, podemos ver mindgames maiores sendo construídos e teremos mais tempo de luta para analisar algumas particularidades dos personagens, como suas fraquezas, forças e como elas se sobressaem no matchup em questão.

A análise que você lerá agora é da luta entre Snake Eyez e Chris Tatarian, válida pelo Wednesday Night Fights 2016 1.1. Ela foi a Grande Final do torneio, e é uma boa demonstração da quantidade de opções que os personagens tem para se enfrentar. A princípio, analisaremos o matchup na teoria, para depois vermos a luta e, por fim, comparar ambos e ver o que deu certo e o que poderia melhorar.

 

Entendendo o matchup

Vamos começar pelo começo. Os golpes normais de Gief e Ken tem características muito, muito diferentes, pois os do russo possuem um alcance consideravelmente maior, e certos pokes, como cr. LP, st. MK e st. HK, são excelentes para controlar toda a área próxima da sua hurtbox. Isso faz com que os golpes normais de Ken, que são mais curtos e servem para combos, percam muito da sua utilidade e funcionem majoritariamente para punir whiffs – que, aí sim, vão possibilitar uma aproximação. Aliás, é importante destacar que o fato de Gief controlar tal área praticamente anula os shimmies do Ken, uma parte muito importante do seu gameplay. Além disso, esse controle também viabiliza que Zangief decida como e quando se aproximar, fazendo alguns dos seus famosos mindgames (como dash > Screw Pile Driver e puxar o adversário com seu V-Trigger, Cyclone Lariat)

Não conseguir chegar perto faz com que Ken tenha que focar principalmente em seu jogo de fireballs para tentar construir momentum. Um Gief distante é um Gief inofensivo, e, ainda que ele tenha certas armas para enfrentar os hadoukens, nenhuma delas é perfeita: o Double Lariat e o Head Butt exigem que o jogador adivinhe o tempo de chegada da fireball, enquanto a V-Skill deixa Zangief com grey life. Isso permite que Ken possa fazer mindgames interessantes, como misturar hadoukens rápidos e lentos para bagunçar o tempo de reação do adversário. Outro ponto é que, estabelecendo um bom jogo de fireballs, Ken pode ditar o ritmo da partida, se aproveitando disso para intercalar o uso de hadoukens com Quick Step, sua V-Skill – que permite uma aproximação rápida e é excelente para combos.

É importante destacar também o quanto o jogo aéreo dos dois é interessante. Gief tem excelentes formas para se aproximar ao pular, como seu j. HK e j. LP, além de d. HP durante o pulo. No entanto, Ken possui um dos melhores arsenais de antiaéreos do jogo, com seus cr. HP, st. MK e todos os seus shoryukens, o que pode ser uma barreira intransponível se bem utilizada. O ponto é que Gief também tem uma forma própria de se utilizar de mindgames durante o combate no ar – uma vez que seus golpes principais o fazem ocupar uma área maior, ele tem a possibilidade de dar um pulo no alcance máximo de seus golpes e não apertar nenhum botão, buscando fazer um eventual shoryuken whiffar e puni-lo em seguida – uma estratégia já mostrada na análise de Cammy vs Ryu.

Agora que já entendemos o básico das possibilidades de luta no chão e no ar, podemos ir para a partida em questão. A luta foi a Grande Final do Wednesday Night Fights 2016 1.1, entre Snake Eyez (Zangief) e Chris Tatarian (Ken), e muito do que falamos aqui aparecerá durante a partida. Sem mais delongas, vamos ao que interessa…

1ª LUTA… FIGHT!

Zangief não é um char notório por seus combos, mas sim pelo dano que pode causar com SPD e Critical Art. No entanto, Snake Eyez, logo no início do primeiro round, dá um SPD seguido de um dash e, ao contrário do esperado, utiliza um pequeno combo. Esse tipo de atitude é importante para demonstrar imprevisibilidade e confundir o oponente, o que é o primeiro passo para construir vantagem em mindgames posteriores. Aliás, nesse mesmo round podemos ver como funcionou bem, pois, entre 79 e 72 segundos, Zangief consegue encaixar mais um belo dano com dois SPDs seguidos e leva apenas um pouco mais de tempo para vencer o primeiro round.

O segundo round é um verdadeiro passeio de Chris Tatarian, e não é à toa. Logo no início ele consegue punir uma tentativa de aproximação de Zangief com um bom bread-and-butter, e em seguida pune uma leitura errada de Snake Eyez com mais um  combo. Esse momento é interessante, pois a antecipação para dar o Head Butt demonstra que ele supôs que Chris iria investir em hadoukens ao invés de se aproximar, o que acabou se mostrando equivocado. Essa leitura errada de Snake Eyez foi o ponto chave, pois fez com que Chris tomasse a dianteira nos mindgames e conseguisse pressioná-lo no corner até vencer o round. Detalhe: ele não usou nenhuma barra de EX, pois sabe a importância que elas terão no round seguinte.

E o terceiro round inicia-se com muitos pokes e poucas conquistas de ambos os lados até um momento inusitado: aos 83 segundos, a sorte vai para o lado de Snake Eyez e ele se livra de um combo enorme. O que aconteceu é que Zangief estava em uma posição muito particular, em que os primeiros chutes do combo acertam, mas o EX Shoryuken passa direto. Eu coloquei um vídeo curtinho abaixo que demonstra como essa posição é extremamente específica.

O mais curioso é que a sorte de fato ficou ao lado de Zangief. Após o Crush Counter, ele acabou perdendo o timing e errou o EX Air SPD, mas não recebeu nenhum antiaéreo e conseguiu encaixar um novo SPD ao aterrissar. A mudança de momentum foi tão imprevisível que novamente colocou Snake no controle da partida, possibilitando que ele controlasse o espaço de forma bastante consistente, finalizasse o round com mais dois SPDs e ganhasse a luta.

2ª LUTA… FIGHT!

Nesse primeiro round, o KO sofrido por Zangief decorre das boas leituras de jogo e consequentes punições dadas por Chris aos golpes normais. O que você deve ter achado curioso é como Chris, após colocar Gief no corner, começa a andar para trás a partir dos 89 segundos ao invés de continuar pressionando. Eu entendo que a intenção foi aproveitar o momento favorável para coletar informações sobre o adversário, pois logo após andar para trás ele começa uma verdadeira chuva de fireballs, que são encaradas das mais variadas formas (pulos, Head Butt, V-Skill, st.HP). Afinal de contas, Chris já teve a prova de que leva vantagem em combates extremamente próximos (o 2ª round da partida anterior e o início desse demonstram isso muito bem), mas até então ele não havia testado as reações de Snake Eyez a hadoukens, algo que será muito importante se quiser vencer.

Já o round seguinte pode ser explicado com duas palavras: Critical Art. O simples uso do Bolshoi Russian Suplex foi o bastante para causar um verdadeiro Stun em Chris, pois foi o bastante para deixá-lo com pouco mais de 30% da barra de Vida e se desconcentrar por tempo o bastante para receber mais um SPD. O mais curioso é que a sorte mais uma vez fica com Snake Eyez, pois Chris erra um novo Shoryuken – dessa vez pelo fato de seu MK > HK ter sido counter e feito Gief girar, saindo do alcance e ficando em condições de puni-lo para fechar o round.

E no último round da luta, temos novos elementos aparecendo e fazendo a diferença: V-Reversal e V-Trigger. O V-Reversal utilizado por Chris foi de suma importância para que a luta fosse resetada e os mindgames mudassem. É aí que Tatarian encaixa um elemento inteiramente novo em sua luta, fazendo com que Snake Eyez seja obrigado a levar certas possibilidades em consideração (Ken usará sua V-Gauge apenas para resetar situações ou eventualmente acionará o V-Trigger?). Mas, da mesma forma, Snake também cria o seu próprio mingdame ao ativar o V-Trigger e utilizar uma jogada até então nova – acionar o V-Trigger, e, após o hit confirm, usar o seu Cyclone Lariat para iniciar um combo -, vencendo a segunda partida.

3ª LUTA… FIGHT!

E agora inicia-se a luta em que tudo o que foi apresentado anteriormente será utilizado, mas onde elementos novos também irão aparecer. O mais interessante deles é a sequência hadouken > V-Skill que aparece logo aos 97 segundos, pois demonstra que Chris leu perfeitamente a preferência de Snake Eyez pelo uso de Head Butt na hora de enfrentar fireballs. Esse momento foi crítico por ter obrigado Zangief a ter que adivinhar se Ken usaria fireballs ou não, ficando em uma situação extremamente desconfortável e perdendo gradualmente o controle da área que antes controlava. É curioso reparar também que, por estar com muito pouca vida, Snake Eyez pôde usar sua V-Skill à vontade, pois a única habilidade que mata com chip damage é a Critical Art – o que permite que ele não tenha nenhum prejuízo se ficar com grey Life.  Isso faz com que por muito pouco ele não consiga um comeback épico, mas, no fim, acabou perdendo o round.

E, veja só, Snake Eyez já começa o segundo round com um golpe até então não utilizado, o Siberian Express. Essa atitude também não foi à toa, pois mostrar ferramentas novas em um ponto tão crítico (essa é a partida que falta para Snake ganhar o WNF) é importante para construir momentum e – novamente – deixar os mindgames mais complexos. Repare ainda como estar em desvantagem na vida fez com que Chris Tatarian passasse a lutar de forma menos ativa, apenas esperando para reagir aos golpes de Gief e, consequentemente, perdendo o round e deixando Snake Eyez em matchpoint.

O último round começa com Snake tomando a dianteira, o que não é à toa: foi sendo impetuoso que ele conseguiu ganhar todas as partidas e, afinal de contas, é ele quem está a ponto de vencer. Além disso, ele também toma a dianteira de forma bastante centrada, antecipando Head Butts e usando sua V-Skill para antecipar qualquer eventual hadouken. Chris ainda consegue duas excelentes punições aéreas através do uso do EX Air Tatsu, um golpe até então não utilizado e que funcionou muito bem para segurar a pressão de Zangief, mas Snake conseguiu fazer uma ótima leitura aos 70 segundos, antecipando uma fireball e pulando por cima dela, conseguindo um bom combo.

Por fim, é preciso destacar que o uso do V-Trigger no fim do round foi interessante por abrir um leque enorme de possibilidades em um momento crítico. Vale lembrar que Snake, até agora, apenas acionou o V-Trigger uma única vez, e essa única vez serviu tanto para confirmar a funcionalidade de uma estratégia específica (hit confirm > Cyclone Lariat) quanto para sutilmente mostrar que Snake muito provavelmente tem outras estratégias na manga – estratégias essas imprevisíveis, uma vez que ele não deu nenhuma pista delas ao longo das lutas. Some isso aos mindgames com SPD, Siberian Express e combos, e fica fácil entender como Snake conseguiu alcançar a vitória e levar o caneco para casa.

ERROS E ACERTOS

Se observarmos a luta a partir do ponto de vista de Snake Eyez, podemos dizer que ela foi quase perfeita. De fato, o player conseguiu utilizar praticamente todo o seu arsenal de movimentos, construindo mindgames sólidos e tendo muitas respostas para praticamente qualquer movimento de Chris. A maior ausência, na minha opinião, diz respeito ao uso de V-Reversals. É verdade que o V-Reversal do Gief não é exatamente o melhor de todos, mas permitiria bons resets em situações que pediam por isso – como, por exemplo, no segundo round perdido por Snake, já na segunda luta. Ainda que tal ausência não tenha comprometido o resultado final, seria uma adição interessante e deixaria o jogo mental do jogador norte-americano ainda mais refinado.

Já com relação a Chris Tatarian, a situação muda bastante. Em primeiro lugar, não posso deixar de louvar o uso de Crush Counters e os whiff punishes que rolaram ao longo da partida, bem como os bons momentos de “pedra-papel-tesoura” e os meaties que aconteciam quando Gief estava no corner. Esses destaques mostram que Chris sabe como aplicar pressão e, principalmente, que Ken possui armas de qualidade para impor seu próprio jogo e não se deixar ser dominado pelo Ciclone Vermelho.

O grande problema foi que Chris sofria bastante para tornar esses momentos possíveis. Sair do neutral, que era completamente dominado por Gief, era quase impossível, e os poucos momentos em que conseguiu deixá-lo no corner decorreram de ações bastante específicas, como dois Crush Counters seguidos. Para sanar isso, Chris poderia ter utilizado mais V-Reversals, pois eles servem não apenas para interromper combos, mas também para parar tentativas de fuga, usando-os para impedir que Snake tentasse sair da pressão sofrida.

Outra tática que faltou já foi citada ali em cima e é bastante utilizada por Momochi: o mindgame hadouken/V-Skill. Ela é excelente não apenas para manter Zangief longe de sua área de maior potencial de dano, mas também para permitir que Ken se aproxime rápida e inesperadamente, usando combos e tomando a dianteira. Chris não utilizou as fireballs no máximo de sua capacidade. Pelo contrário, essa foi provavelmente a parte mais deficiente de sua luta, o que o impediu de atuar de forma mais ativa e, consequentemente, o fez depender de punições pontuais para que impusesse seu jogo – o que não funcionou tão bem. Vitória merecida de Snake Eyez.


E essa foi mais uma análise de Street Fighter V aqui no CounterHit. Não esqueça de comentar e deixar a sua opinião, e também aproveite para sugerir alguma luta que mereça ser analisada a fundo. Se gostou, compartilhe, e curta a página do CounterHit para não perder nenhuma matéria e receber as maiores notícias de fighting games!

Dica enviada via e-mail por Luiz Felipe Lima (luiz@delfos.net.br)

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